Paisagem e espaço não são sinônimos. A paisagem é o conjunto de formas que, em um dado momento, exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O espaço são essas formas mais a ida que as anima. A palavra paisagem é frequentemente utilizada em vez da expressão configuração territorial. Esta é o conjunto de elementos naturais e artificiais que fisicamente caracterizam uma área. A rigor, a paisagem é apenas a porção da configuração territorial que é possível abarcar com a visão. Assim, quando se fala em paisagem, há também a referência à configuração territorial e, em muito idiomas, o uso das duas expressões é indiferente. A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos. Nesse sentido, a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construção transversal. O espaço é sempre um presente, uma construção horizontal, uma situação única. Cada paisagem se caracteriza por uma dada distribuíção de formas-objetos, providas de um conteúdo técnico específico. Por isso, esses objetos não mudam de lugar, mas mudam de função, isto é, de significação, de valor sistêmico. A paisagem é, pois, um sistema material e, nessa condição, relativamente imutável: o espaço é um sistema de valores, que se transforma permanentemente.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo, Edusp, 1996. p.83.
A paisagem da periferia se constitui num imenso mosaico, ora se apresenta como rural com sitios, chácaras, bucolismo; ora se apresenta como urbana, comércio, carros, barulho...
Porém ela está intrinsicamente ligada à cidade e a sua população pertence a ela tanto quanto um outro que se localiza num bairro central. A diferença básica entre centro e periferia é a relação que as pessoas estabelecem com o lugar, pois enquanto no centro a disponibilidade de infra-estrutura e de serviços básicos permitem que a pessoa residente numa unidade habitacional usufrua destes numa relação estritamente econômica, como no jargão "tô pagando por isso, então faça!", na periferia as relações comunitárias servem como um dos poucos, senão o único meio de se obter algo num lugar quase sempre carente de serviços básicos e/ou marginalizados pela ação do estado. Afinal, enquanto no centro, a população trabalhadora de operários, serviçais e prestadores de serviço são uma parte fundamental para o funcionamento do lugar, na periferia o habitante tem apenas o status de 'pobre', idependentemente da sua ocupação, apenas por estar territorialmente ligado a um espaço na qual os seus 'patrões' não desejam conhecer ao mesmo tempo que a sensação de insegurança patrimonial aflige a quem não faz parte dela. A cidade e a sua paisagem somente possuem significado pelas pessoas que a habitam, idependentemente de sua origem, cor, etnia, religião, classe social, etc. E quanto mais diversificado esse mosaico, maior sua condição cosmopolita, que é sinônimo da riqueza cultural deste espaço repleto de significados.
Um comentário:
Três observações:
1- Insegurança patrimonial também aflige os indivíduos que residem na periferia. Afinal, a casa pode pegar fogo, cair do morro, estar em uma área que seja necessário o remanejamento, e, ultimamente, vítima de "cheque-despejo". Sem falar, ainda, que há roubos, sim, nessas residências.
2- Quanto mais diversificado esse mosaico, maior o nível de fragmentação ou sectarismo nessas áreas, maior o abismo entre quem tem acesso aos benefícios de um mundo cosmopolita e quem não tem. Entretanto, como sabemos, essa fragmentação, tal como uma espécie de "ilha" do arquipélago de Galápagos, e como uma forma de se opor categoricamente contra os desníveis e contradições culturais provocados pela globalização, fez surgir movimentos e vertentes culturais próprios, típicos da periferia, que são valorizados e vividos principalmente pelos jovens. Nesse sentido, aí sim, concordo com a condição cosmopolita do mosaico urbano e seu espaço. Porém, para o observador chegar a esse observação, há que se isentar um pouco de certas amarras e origens do próprio observador, pois corre-se o risco de se enxergar a tal "condição cosmopolita" como algo essencialmente ruim. Bom, na verdade até o é. Mas, não no sentido de resistência e iniciativa dos espaços menos privilegiados.
3- Pergunta para o nosso governador sobre cosmopolitismo em Heliópolis e Paraisópolis. Eu ia adorar a resposta, pois sei que riria muito.
Postar um comentário