Para uma pacata cidade de 8 mil habitantes, ser paulistano soa quase como um estrangeirismo quando nos remetemos a objetos como shopping center, hipermercado 24 horas, trânsito e todas as coisas "típicas" de cidade grande.
Entretanto a "balada" era aberta ao público, bem como as portas das casas de boa parte dos simpáticos e receptivos salenses, explico: é inevitável comparar que mesmo desprovidos dos aspectos culturais ditos "tradicionais" dessa época do ano -afinal a festa de carnaval típica é históricamente ligada às marchinhas, fantasias, confetes e blocos-de-rua- em nome de grupos de axé e forró num palco dentro de uma área cercada, aqueles aspéctos ligados à sensação de insegurança e da privatização/restrição do uso do espaço se esvaem ao perceber que mesmo aquelas pessoas ditas, indesejadas, como catadores de produtos recicláveis apenas realizavam o seu digno trabalho. E quanto a segurança do evento, na verdade, moradores locais com coletes laranjas, interagiam amistosamente com os demais participantes, e eram também refletidos pelos poucos policiais avistados nas cercanias que estavam sempre à prosear... entremeados por manifestações de humor espontâneas a vista dos transeuntes, santa tranquilidade né?
Engraçado como a fé está presente em cada habitante, mesmo nos mais jovens -que aliás eram a imensa maioria dos participantes da festa- pois há apenas um quarteirão da maior praça pública da cidade, ao entorno da igreja matriz, o limite entre o certo e o errado se traduz pelo binômio pecado/moral, e ela é essencialmente cristã, talvez isso explique em parte essa natureza comportamental tão peculiar dos habitantes de cidades pequenas mesmo que para isso, sua vida particular e cotidiana seja coletivizada nas redes informais, porém organizadíssimas, de boatos, fofocas, fuxicos e relacionados, que exercem de fato o poder de polícia em comunidades.
A impressão é a de que se quisermos reclamar de algo, além do bispo, representado pelo pároco local Pe. Franco (Foto), basta andar dois quarteirões planos dali para tomar um café com o prefeito, João da "Ida" , e sem nenhum número de protocolo ou agendamento prévio para tal. Porém o que há para se reclamar se és bem visto na comunidade? O estresse causado pelo tédio certamente não o é, pois mesmo um salense que se ocupe apenas de observar o tempo passar -como o grupo de aposentados sempre presentes nos bancos da praça matriz- , sente-se de fato pertencente a um lar, e a prosear, seja da vida cotidiana local, seja de quão diferente deve ser o nosso mundo caótico urbamo, aonde as redes de comunicação entre as pessoas se materializam paralelamente a rede de circulação de moedas e coisas. Um exemplo disso foi quando na volta à Sampa, ao observar a reação da namorada do meu amigo George Marcel (foto abaixo), ouvi sua reação de curiosidade ao avistar que ao lado do mais novo cartão postal da cidade, a Ponte Estaiada, e os arranhas céus da região, a comunidade o Jardim Edith, com suas moradias feitas por casebres amontoados feitos de placas de madeira, a sua imediata antítese. "Por que ninguém os tirou dali?" foi a sua primeira reação para após refletir: "Deve ser muito ruim morar num lugar desses". De fato, talvez falte um pouco de fé e de redes informais para os cidadãos daqui, que tanto se orgulham de seus shoppings, hipermercados 24 horas e, pasmem, de trânsito, afinal a nossa reação ao chegar em Sales é de se perguntar o porquê da vida passar ali tão devagar e após refletir, do temor de ser consumido pelo tédio inerente a tal ambiente.
Ainda curioso sobre a primeira imagem? É a Lilian, ou melhor, Dra. Lilian Vogt, uma típica salense, que trabalha como advogada da prefeitura junto ao prefeito João da Ida, e que assiste aos sermões do Pe. Franco todas as semanas. Ambos tem algo essencial em comum: Amor ao ser humano! Especialmente aquele que reconhece o valor de nosso trabalho por meio dos gestos imateriais, como as crianças, idosos e os mais necessitados. Ogni bene per voi, mi cielo!
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